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InvestTalk
February 2024, Circe Bonatelli, Altamiro Silva Junior e Bruna Camargo
Mudanças em títulos isentos já provocam cancelamento de 'CRIs de aluguel
As restrições impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) nos lastros e perfis de emissores devem causar mudanças mais profundas nas emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). As operações vetadas pelo CMN representaram algo próximo a 50% de todos os lançamentos de CRIs no ano passado, segundo advogados que atuam no mercado de capitais.
Em 2023, o volume total de operações foi de R$ 48,8 bilhões, de acordo com dados da TTR Data. Incluindo os Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRA), que também tiveram normas alteradas, as emissões chegam a R$ 93 bilhões. Na última sexta-feira, 2, fontes relataram que tiveram que cancelar ofertas em preparação.
Essas operações agora voltam à sua essência, ou seja, terão de ser lastreadas em ativos relativos mesmo ao setor imobiliário e ao agronegócio. Os certificados de recebíveis vinham sendo muito usados por empresas de setores variados que se aproveitavam de um incentivo tributário para estes segmentos.
Além disso, o CMN vetou a emissão de CRIs com lastro em direitos creditórios originados de operações entre partes relacionadas ou de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas. Fica proibido aí o chamado "CRI de aluguel", modalidade que consiste na emissão de um título baseado no fluxo de recebíveis gerado pelo pagamento de aluguéis.
A princípio, o "CRI de aluguel" era emitido pela empresa proprietária do imóvel com lastro e/ou garantia nos valores a receber de aluguel do inquilino. Isso continua permitido. Depois, as empresas inquilinas é que passaram a usar o financiamento para pagar aluguéis aos proprietários.
A flexibilização do CRI de aluguel foi autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2022, e a Rede D'Or foi a primeira a emitir CRIs sob essa perspectiva captando R$ 1,14 bilhão na época. Agora, isso não valerá mais, pois foi entendido pelo CMN como uma descaracterização do instrumento que tinha como propósito incentivar o setor imobiliário, e não os demais.
"O argumento na divulgação da resolução é de que houve uma descaracterização do instrumento e perda de foco do setor incentivado. Mas também tem um argumento por trás que é o de perda de arrecadação, já que os CRIs são isentos de imposto de renda", observa o advogado Carlos Ferrari, sócio do escritório NFA, especializado em mercado de capitais e setor imobiliário.
Neste ponto, o diretor de renda fixa de um banco de investimento observa que a decisão do CMN tem relação com as tentativas do ministro Fernando Haddad de aumentar a arrecadação em 2024. "Tinha muita operação criativa fazendo o que não era isento virar isento."
Não à toa, o estoque em CRIs, CRAs e nas letras de crédito imobiliário (LCIs) e agrícola (LCAs) passou de R$ 1 trilhão.
Na avaliação de Ferrari, o tombo no setor deve ser muito significativo. "O ano de 2024 caminhava para bater recorde de emissão e CRIs. Agora deve cair pela metade", estima Ferrari.
O advogado Thadeu Bretas, sócio da área de mercado de capitais do Stocche Forbes, também acredita em uma queda drástica das emissões.
"Com certeza o impacto será grande para o setor de dívida corporativa. Tinha bastante empresa fora do setor imobiliário aproveitando a concessão da CVM para emitir 'CRIs de aluguel'. Era visto como um funding mais barato", diz. "Algumas operações que estavam sendo estruturadas certamente precisarão ser revistas daqui para frente."
Bretas acredita que parte das emissões de CRIs será transformada em financiamento bancário, debêntures ou até mesmo emissões de ações, mas pondera que outra parte das operações pode acabar suspensa ou cancelada. "A empresa que precisa mesmo de recursos para investimentos e operações vai continuar captando por outras vias, mas o custo vai subir. Já as empresas que iriam fazer um CRI porque isso representava dinheiro barato talvez optem por esperar outro momento", estima o advogado.
Investidor pode sair beneficiado
Entre gestores, também há a leitura de que os ajustes para títulos com incentivo fiscal feitos pelo CMN devem reduzir a oferta desse tipo de produto, mas se trata de uma "correção de assimetria". Isso pode beneficiar o investidor que já possuía esses títulos na carteira, em vista de uma valorização de preços no mercado secundário.
A mudança deve tirar do mercado estruturas que foram criadas a partir dos incentivados, como o CRA de Redes de Restaurantes, CRI de Supermercado e Farmácia, CRI de S&LB com lastro intercompany, CRI de Energia, CRI de Reembolso com lastro estruturado, entre outros. "Agora as empresas precisarão seguir por outros meios para captação, como dívida bancária ou títulos de dívida", afirma Jéssica Mota, diretora de desenvolvimento de negócios da Bloxs.
Para o investidor que já possui CRIs e CRAs na carteira, nada muda - não haverá perda de isenção -, pois o estoque não será afetado pelos ajustes do CMN. O que poderá ser visto é uma valorização desses títulos, com compressão de taxas e alta de preços no mercado secundário, de acordo com Vitor Duarte, CIO da Suno Asset.
Mas, com a futura escassez na oferta de títulos com isenção fiscal, o investidor vai ter que aceitar uma remuneração mais baixa ou buscar opções com tributação para se manter alocado, segundo Ricardo Nunes, diretor de investimentos de crédito e wealth management da Paramis Capital.
"No passado recente vimos empresas dos mais diversos setores aproveitando essa regra, como bancos, varejistas, hospitais, locadoras de veículos. Praticamente todos os setores encontravam formas de se enquadrar", comenta. Um maior apetite por debêntures incentivadas, que não serão afetadas pela medida, também pode ser observado, na avaliação do executivo.
A entrada em fundos imobiliários (FIIs) ou de investimento em cadeias agroindustriais (Fiagros), que possuem CRIs e CRAs em suas cestas de ativos, pode ser uma alternativa, acrescenta Duarte, da Suno Asset. Por outro lado, Nunes, da Paramis, faz a ressalva de que, com a mudança, as gestoras enfrentarão um aumento considerável do risco de reinvestimento das carteiras.
E quais as perspectivas para LCA e LCI?
Embora a questão de oferta de CRIs e CRAs esteja fomentando maior discussão do mercado, há uma segunda resolução do CMN que fez ajustes nos lastros elegíveis e nos prazos de vencimento da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), da Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e da Letra Imobiliária Garantida (LIG).
No caso da LCA, fica vedado, a partir de 1º de julho de 2024, que os recursos captados por meio desse título sejam utilizados para a concessão de crédito rural que se beneficie de subvenção econômica da União. Ainda, o prazo mínimo de vencimento da LCA foi ampliado dos atuais 90 dias para 9 meses.
Já para LCI e LIG, o CMN especificou as modalidades de crédito imobiliário aceitas como lastro, com foco em operações de efetiva natureza imobiliária. A resolução também amplia o prazo mínimo de vencimento dos títulos emitidos de 90 dias para 12 meses.
"A regra antiga, que permitia emissões com o prazo mínimo mais curto, fazia com que os bancos emitissem LCIs e LCAs com vencimento longo mas com opção de resgate após o período de carência de 90 dias. Por isso, muitos investidores as utilizavam como opções de liquidez, esvaziando a demanda por CDBs com liquidez diária e fundos DI com resgate em D+0. A mudança deve fomentar uma demanda maior por essas duas alternativas", avalia Nunes, da Paramis.
Os agentes do mercado imobiliário tiveram avaliações distintas sobre a resolução do CMN. "De forma geral, as medidas não devem contribuir para crescimento do funding do crédito imobiliário, aumentando o desafio de fortalecer as fontes alternativas aos recursos da poupança e do FGTS", afirmou a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) em nota.
A Abecip apontou que a resolução do CMN reduziu o leque de operações elegíveis para lastro da Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e mudou a regra de cômputo da Letra Imobiliária Garantida (LIG) no direcionamento dos recursos da poupança.
"Sobre a LIG, a mudança vai refletir diretamente na disponibilidade de lastro para o crescimento das emissões, ao suprimir a diferenciação entre LIGs de curto e longo prazo para fins do direcionamento da poupança", afirmou a Abecip. "Os cerca de R$ 15 bilhões de LIGs de longo prazo emitidos em 2023 provavelmente não se repetirão em 2024, tampouco teremos a renovação do estoque de R$ 112 bilhões em seus vencimentos por conta das novas medidas", acrescentou a entidade
No caso da LCI, a Abecip citou que a resolução estabeleceu a vedação da captação de recursos para o crédito imobiliário por meio de novas emissões com lastro em operações de empréstimos garantidos por alienação fiduciária ou hipoteca concedidos a pessoas jurídicas. "Aparentemente, a imposição de restrição à captação de recursos para atendimento de setores empresariais relevantes para a economia não se justifica, uma vez que essas operações são pouco representativas nos R$ 360 bilhões de estoque de LCI", disse a Abecip.
Já no caso dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), a Abecip apontou que as medidas do CMN afetarão, sobremaneira, o mercado de capitais, mas não terão impacto direto para o crédito imobiliário. Em 2023, da emissão total de R$ 48 bilhões em CRIs, cerca de 50% são de CRI lastreados em operações que foram restringidas pela nova resolução.
Para as incorporadoras, representadas pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), as mudanças são positivas, já que a regra anterior permitia que muitas operações pouco relacionadas à construção tivessem o benefício da isenção fiscal. A Abrainc apontou que o mercado de letras imobiliárias gira em torno de R$ 460 bilhões e que direcionar o seu uso para o mercado de construção é fundamental para a geração de emprego e renda, já que os financiamentos são, geralmente, usados para a construção de empreendimentos.
Source: InvestTalk
